"Os eternos enigmas do espaço e do tempo, os sonhos e mistérios remotos de outros mundos, outras formas de vida, as estrelas, os planetas... O homem tem-se deparado com eles ao longo de séculos, e mesmo assim mal consegue penetrar nos seus enigmáticos segredos. Um dia, a barreira será rompida. Porque temos de esperar? Porque não agora!?"
- excerto do filme "Cat-Women of the Moon" (1953), por Arthur Hilton/Roy Hamilton
Anatomia Ciborgue
Pistas para uma leitura
É questão de tempo. Não é preciso uma mente prodigiosamente fértil para imaginar uma era em que a tecnologia terá atingido um estado de avanço tal que seres humanos e máquinas acabem por se tornar uma e a mesma coisa. Basta observar as tendências (tanto no plano tecnológico, como no ético), como têm assinalado os seguidores do transumanismo. Caminhamos para a transposição das barreiras que nos prendem à nossa condição de animais mortais. O Homo Sapiens Sapiens talvez passe à história como o último estágio da evolução biológica dos hominídeos, dando lugar a um outro ser dominante: o homem que orienta conscientemente os caminhos da sua própria evolução, que toma as rédeas da sua própria natureza, que se constrói (literalmente) a si próprio. O homem-deus auto-criador.
A série de quadros e ilustrações Anatomia Ciborgue lança um olhar sobre esse mundo do limiar do espaço-tempo, essa era futura em que o ser humano se deixa levar pelas potencialidades do seu génio e admite a incorporação de máquinas e robôs ao seu próprio organismo; que substitui partes do corpo por componentes robóticas para o tornar mais eficiente. O imaginário estético-ficcional em torno dos conceitos que abarcam essa dicotomia homem/máquina é o objecto desta série, toda ela construída em torno de bipolaridades conceptuais (ver "As dicotomias da Anatomia Ciborgue", mais abaixo).
O universo da Anatomia Ciborgue
A técnica mista usada na produção das telas da Anatomia Ciborgue alia à aplicação de componentes electrónicos (chips, transístores, microprocessadores, resistências, condensadores, etc...) tintas acrílicas, óleos e/ou pastéis de óleo. Esses são os materiais com os quais se procura arquitectar visões macro, micro ou nanoscópicas do organismo biónico.
Nas ilustrações, a tinta permanente (com tons negros, cinzentos, sépia ou sanguínea) sobre papel, procuram-se visões mais macroscópicas, sobretudo do aspecto exterior do homem-ciborgue, dos seus membros e outras partes robóticas, em jeito de esboço conceptual. As inscrições são a inglês - presentemente, a língua universal do mundo científico - mas transcritas com recurso ao alfabeto coreano - por muitos considerado o mais perfeito e prático que existe -, uma opção meramente estética.
Mais recentemente, comecei a explorar as potencialidades da aplicação de pilhas e baterias usadas sobre cartão telado para criar um novo conceito de arte mutante. Estes quadros apresentam-se protegidos com uma moldura vidrada, através da qual se podem apreciar as mutações surgidas no quadro ao longo do tempo com a oxidação das pilhas. O objectivo é criar uma espécie de obras "vivas", em constante mutação.
As dicotomias da Anatomia Ciborgue
De zeros e uns se compõe a linguagem das máquinas. Os pares binários apagado/aceso, ligado/desligado, encontram equivalência simbólica em vários aspectos no conjunto destas obras. Tanto em termos de método e objectivos, como no que diz respeito aos resultados visuais e no aspecto estético geral; além de ser também fácil encontrar um diálogo de opostos evidente nalgumas das interpretações possíveis.
À partida, temos os pares homem/máquina, natural/artificial, bio/tecno, como objecto das imagens produzidas. Nas pinturas, o fundo integra a parte biológica, retratando, conforme a escala, tecidos, células ou corpúsculos intracelulares (sobretudo humanos, mas não exclusivamente); enquanto a aplicação das peças electrónicas sobre a tela assume a componente tecnológica, atribuindo tridimensionalidade e um carácter poético; e desta forma abrindo espaço ao aparecimento de novas dicotomias: realidade/ficção, bidimensional/tridimensional.
Em termos estéticos, estes quadros, embora sejam perfeitamente figurativos, não conseguem (nem pretendem) evitar uma abordagem formal que os aproxima, numa leitura desatenta, a um certo abstraccionismo. Aqui, um novo diálogo: figurativo/abstracto. A crença de que a obra tem de valer por si própria, independentemente do autor ou dos factores que condicionaram a sua produção, leva-nos a não menosprezar - pelo contrário, a valorizar - as reacções que aquela provoca num observador que não esteja a par destas considerações.
Arte verde
Sem ter isso como objectivo primordial, mas assumindo esse aspecto positivo, os quadros da Anatomia Ciborgue nasceram num tempo em que, em Portugal, assim como em muitos outros países, ainda não se fazia a reciclagem dos chamados resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos (REEE). Ao explorar as potencialidades plásticas dos restos de velhos aparelhos, que, de outra forma, acabariam como lixo a poluir o mundo, os quadros desta série não deixam de veicular uma mensagem - a reciclagem é necessária e é possível extrair de coisas velhas um valor estético não negligenciável. Basta um pouco de imaginação.
Hoje em dia, a reciclagem dos REEE já se faz no nosso país, mas nem por isso deixa de fazer sentido a reutilização desses e de outros materias na arte. A utilização de pilhas e baterias usadas nalguns dos quadros serve de igual forma esse propósito.
- excerto do filme "Cat-Women of the Moon" (1953), por Arthur Hilton/Roy Hamilton
Anatomia Ciborgue
Pistas para uma leitura
É questão de tempo. Não é preciso uma mente prodigiosamente fértil para imaginar uma era em que a tecnologia terá atingido um estado de avanço tal que seres humanos e máquinas acabem por se tornar uma e a mesma coisa. Basta observar as tendências (tanto no plano tecnológico, como no ético), como têm assinalado os seguidores do transumanismo. Caminhamos para a transposição das barreiras que nos prendem à nossa condição de animais mortais. O Homo Sapiens Sapiens talvez passe à história como o último estágio da evolução biológica dos hominídeos, dando lugar a um outro ser dominante: o homem que orienta conscientemente os caminhos da sua própria evolução, que toma as rédeas da sua própria natureza, que se constrói (literalmente) a si próprio. O homem-deus auto-criador.
A série de quadros e ilustrações Anatomia Ciborgue lança um olhar sobre esse mundo do limiar do espaço-tempo, essa era futura em que o ser humano se deixa levar pelas potencialidades do seu génio e admite a incorporação de máquinas e robôs ao seu próprio organismo; que substitui partes do corpo por componentes robóticas para o tornar mais eficiente. O imaginário estético-ficcional em torno dos conceitos que abarcam essa dicotomia homem/máquina é o objecto desta série, toda ela construída em torno de bipolaridades conceptuais (ver "As dicotomias da Anatomia Ciborgue", mais abaixo).
O universo da Anatomia Ciborgue
A técnica mista usada na produção das telas da Anatomia Ciborgue alia à aplicação de componentes electrónicos (chips, transístores, microprocessadores, resistências, condensadores, etc...) tintas acrílicas, óleos e/ou pastéis de óleo. Esses são os materiais com os quais se procura arquitectar visões macro, micro ou nanoscópicas do organismo biónico.
Nas ilustrações, a tinta permanente (com tons negros, cinzentos, sépia ou sanguínea) sobre papel, procuram-se visões mais macroscópicas, sobretudo do aspecto exterior do homem-ciborgue, dos seus membros e outras partes robóticas, em jeito de esboço conceptual. As inscrições são a inglês - presentemente, a língua universal do mundo científico - mas transcritas com recurso ao alfabeto coreano - por muitos considerado o mais perfeito e prático que existe -, uma opção meramente estética.
Mais recentemente, comecei a explorar as potencialidades da aplicação de pilhas e baterias usadas sobre cartão telado para criar um novo conceito de arte mutante. Estes quadros apresentam-se protegidos com uma moldura vidrada, através da qual se podem apreciar as mutações surgidas no quadro ao longo do tempo com a oxidação das pilhas. O objectivo é criar uma espécie de obras "vivas", em constante mutação.
As dicotomias da Anatomia Ciborgue
De zeros e uns se compõe a linguagem das máquinas. Os pares binários apagado/aceso, ligado/desligado, encontram equivalência simbólica em vários aspectos no conjunto destas obras. Tanto em termos de método e objectivos, como no que diz respeito aos resultados visuais e no aspecto estético geral; além de ser também fácil encontrar um diálogo de opostos evidente nalgumas das interpretações possíveis.
À partida, temos os pares homem/máquina, natural/artificial, bio/tecno, como objecto das imagens produzidas. Nas pinturas, o fundo integra a parte biológica, retratando, conforme a escala, tecidos, células ou corpúsculos intracelulares (sobretudo humanos, mas não exclusivamente); enquanto a aplicação das peças electrónicas sobre a tela assume a componente tecnológica, atribuindo tridimensionalidade e um carácter poético; e desta forma abrindo espaço ao aparecimento de novas dicotomias: realidade/ficção, bidimensional/tridimensional.
Em termos estéticos, estes quadros, embora sejam perfeitamente figurativos, não conseguem (nem pretendem) evitar uma abordagem formal que os aproxima, numa leitura desatenta, a um certo abstraccionismo. Aqui, um novo diálogo: figurativo/abstracto. A crença de que a obra tem de valer por si própria, independentemente do autor ou dos factores que condicionaram a sua produção, leva-nos a não menosprezar - pelo contrário, a valorizar - as reacções que aquela provoca num observador que não esteja a par destas considerações.
Arte verde
Sem ter isso como objectivo primordial, mas assumindo esse aspecto positivo, os quadros da Anatomia Ciborgue nasceram num tempo em que, em Portugal, assim como em muitos outros países, ainda não se fazia a reciclagem dos chamados resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos (REEE). Ao explorar as potencialidades plásticas dos restos de velhos aparelhos, que, de outra forma, acabariam como lixo a poluir o mundo, os quadros desta série não deixam de veicular uma mensagem - a reciclagem é necessária e é possível extrair de coisas velhas um valor estético não negligenciável. Basta um pouco de imaginação.
Hoje em dia, a reciclagem dos REEE já se faz no nosso país, mas nem por isso deixa de fazer sentido a reutilização desses e de outros materias na arte. A utilização de pilhas e baterias usadas nalguns dos quadros serve de igual forma esse propósito.